sábado, 3 de julho de 2010

Quase metade dos médicos receita o que fábrica indica


Quatro em cada cinco médicos recebem visita de fabricantes; desses, 48%  indicam remédios sugeridos pela indústria


João Brito - 27.mai.2010 / Folhapress

Visitantes com brindes na feira Hospitalar; pesquisa revela que 93% dos  médicos receberam benefícios de empresas

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

     Quase metade (48%) dos médicos paulistas que recebem visitas de  propagandistas de laboratórios prescreve medicamentos sugeridos pelos  fabricantes.
     Na área de equipamentos médico-hospitalares, a eficácia da visita é  ainda maior: 71% dos profissionais da saúde acatam a recomendação da  indústria.
     Os dados, obtidos com exclusividade pela Folha, vêm de uma pesquisa  inédita do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de SP), que  avaliou o comportamento médico perante as indústrias de remédios,  órteses, próteses e equipamentos médico-hospitalares.
     Feito pelo Datafolha, o levantamento envolveu 600 médicos de várias  especialidades, que representam o universo de 100 mil profissionais que  atuam no Estado. Do total, 80% deles recebem visitas dos propagandistas de medicamentos  -em média, oito por mês. A pesquisa revela que 93% dos médicos afirmam ter recebido, nos últimos  12 meses, produtos, benefícios ou pagamento da indústria em valores até
R$ 500. Outros 37% declaram que ganharam presentes de maior valor, desde cursos  a viagens para congressos internacionais.

RELAÇÃO CONTAMINADA
     Para o Cremesp, um terço dos médicos mantém uma "relação contaminada com  a indústria farmacêutica e de equipamentos, que ultrapassa os limites  éticos". "Para boa parte [dos médicos], a única forma de atualização é a  propaganda de laboratório. E com ela vem os presentes, os brindes. Isso  tomou uma dimensão maior, mais promíscua, quando as receitas passaram a  ser monitoradas", diz Luiz Alberto Bacheschi, presidente do Cremesp. Em 2005, a Folha revelou que, em troca de brindes ou dinheiro, farmácias  e drogarias brasileiras auxiliavam a indústria de remédios a vigiar as  receitas prescritas por médicos.
     Com acesso a cópias do receituário, representantes dos laboratórios  pressionavam os profissionais a indicar seus produtos e os recompensavam  por isso. A prática não é ilegal, mas é considerada antiética. Afinal, quem pode  pagar essa conta é o paciente. "Na troca de favores, o médico pode  receitar um medicamento que tenha a mesma eficácia clínica do que o  concorrente, mas que custa mais caro", explica o cardiologista Bráulio  Luna Filho, coordenador da pesquisa do Cremesp.

APOIO
     A maioria dos médicos (62%) avalia de forma positiva a relação com a  indústria. Para 73% deles, os congressos científicos não se viabilizariam sem apoio da indústria de medicamentos e de equipamentos. Luna Filho pondera que, com a internet, o acesso a informações médicas  está universalizado. "Essa conversa de que médico tem que ir para  congresso no exterior para se atualizar é balela. Ele vai é para fazer  turismo." Existem várias normas -inclusive um artigo no novo Código de Ética  Médica, uma resolução da Anvisa e um "código de condutas" da associação  das indústrias- que tentam evitar o conflito de interesses na relação  entre médicos e laboratórios. "O problema é que não existe um controle rigoroso de nenhuma das partes", diz Volnei Garrafa, professor de bioética da UnB.


FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3105201001.htm - 31.05.2010

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