sábado, 3 de julho de 2010

ASSÉDIO NA RELAÇÃO CLÍNICA

Trabalho de Licenciatura
Tiago Alexandre Lopes R. Lino
Estudante do 3º ano do Curso de Psicologia na Universidade Autónoma de Lisboa
tiko.alex@clix.pt

Resumo
Este artigo tem como objectivo levantar uma problemática presente na prática clínica dos
psicólogos clínicos, o assédio. Ao longo deste trabalho é definido o que é o assédio, e quais os
seus tipos, o assédio sexual e o assédio moral, quais as suas causas e os seus efeitos. É feito um pequeno relato sobre a potencialidade do assédio sexual na prática clínica, ilustrado com um
exemplo retirado de um suporte cinematográfico.
Foi também tido em conta, um capítulo que refere-se ao perfil do assediador de uma forma
mais generalizada, não dirigida exclusivamente à prática clínica, bem como o modo de actuação do assediador, quais as estratégias utilizadas para conseguir “cativar” a sua “presa”.
Neste trabalho foi incluído um capítulo sobre o poder, este por sua vez dirigido à prática
clínica. O poder é um conceito que aparece ligado ao assédio sexual e indirectamente à prática
clínica, porque embora se diga que não se exerce poder na relação clínica, de facto há uma forma
indirecta desse poder, que por sua vez parte do técnico, pois no ver do cliente, ele é o detentor da
sua cura.
E por último, um capítulo onde reúne os princípios éticos e deontológicos da prática clínica
do profissional de psicologia, no que concerne à prática do assédio sexual.
É também de realçar que este artigo não tem como objectivo acusar ou condenar ninguém, mas sim fazer reflectir só o assédio na prática clínica, quer seja exercido pelo técnico quer seja
exercido pelo cliente.
Palavras-chave: Assédio, Assédio Moral, Assédio Sexual, Assediador, Assediado, Poder.


1 - DEFINIÇÕES DE ASSÉDIO
Existem várias definições de assédio, mas todas elas se referem a uma pressão exercida por
uma pessoa sobre outra, com a finalidade de obter algo. Existem inúmeras definições de assédio,
mas quase todas elas dizem o mesmo. Há quem defenda que o assédio é uma situação que
alguém pratica, onde há uma pressão sobre outra pessoa para esta prestar algum favor sexual ou
se submeter a algo humilhante, por estar de alguma forma, hierarquicamente abaixo do
assediador. Estaremos neste caso a falar de assédio sexual. Outros autores, defendem que o
assédio é uma pressão exercida sobre a vítima, para que esta sinta-se num ambiente desagradável,
por ser de sexo, raça ou religião específica. Neste caso fala-se de assédio moral.
Outros ainda, referem o assédio, nomeadamente o sexual, como uma “perseguição sexual ou
abuso sexual repetitivos, não desejados, e inerentemente coercivos onde existe uma discrepância
de poder entre a vítima e o abusador”.
Existe também uma definição europeia sobre o assédio sexual no trabalho, “situação em que se regista qualquer comportamento verbal, não verbal ou físico não desejado de índole sexual que
tenha por objectivo ou efeito atentar contra a dignidade de uma pessoa, em particular quando se
cria um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”. É de referir que esta
definição foi criada pelo Parlamento Europeu com o intuito de criar uma lei com as devidas
normas jurídicas, que defendam as vítimas e condenem os agressores.
De facto o assédio no trabalho é cada vez mais frequente, mas também é cada vez mais encoberto, quer por medo por parte das vítimas quer pelos colegas ou superiores que se inibem
de denunciar, com receio de pôr o seu cargo a prémio.
Remetendo isto para a relação clínica, não se pode dizer que não exista, pois já houve casos,
há e continuará a haver, em que o próprio técnico exerce pressão sobre o cliente, visto este estar
vulnerável, para obter qualquer favor sexual ou pessoal, mesmo sabendo que pode pôr em perigo
a integridade mental do cliente, que nele buscou ajuda e que com ele pretende alcançar a “luz ao
fundo do túnel”.
Segundo os Princípios Éticos em Psicologiai, a definição de assédio sexual, é:
1) O uso do poder ou autoridade numa tentativa de coagir outra pessoa a participar ou tolerar:
actividade sexual. Estas utilizações incluem ameaças explícitas ou implícitas de reprimenda
por recusa ou promessa de recompensa por aceitação;
2) Envolver-se em comentários, anedotas, gestos, ou toques deliberados e/ou repetidos de
orientação sexual, se estes comportamentos são ofensivos e indesejados, criam um ambiente
de trabalho ofensivo, hostil e intimidativo ou podem ser prejudiciais para o interlocutor.
Tiago Alexandre Lopes R. Lino - 2004 3
Sucintamente, o assédio no sentido lato da palavra é todo o comportamento dirigido a alguém
com a intenção de prejudicar quer a sua integridade física quer a sua integridade psicológica, em
busca de prazer quer sexual quer moral.


2 - TIPOS DE ASSÉDIO
2.1.- Assédio Sexual
Como já foi referido anteriormente, existem dois tipos de assédio, o assédio sexual que é
aquele que tem toda a conotação sexual que pode partir de um superior hierárquico em
detrimento de um subordinado e vice-versa. Note-se que o assédio sexual não é só oriundo das
grandes empresas, pois também é praticado entre famílias, nomeadamente entre os pais e os
filhos, entre irmãos ou entre outros elementos familiares, bem como em escolas, entre professores e alunos, entre alunos ou entre auxiliares escolares e alunos ou em ordens religiosas.
O assédio sexual não é mais que um conjunto de comportamentos, verbais ou não verbais de
determinado sujeito, que representam avanços sexuais a outro indivíduo do sexo oposto ou do
mesmo sexo, que não são desejados por este último.
O assédio sexual, muitas das vezes parte de uma posição ascendente vertical, pois está em
causa uma relação de poder, “se estou acima de ti eu posso tudo, inclusive ter sexo contigo”. A
chantagem e a ameaça de despedimento são ferramentas utilizadas pelos assediadores, para
intimidar as suas vitimas e adquirirem o que pretendem.
2.2.- Assédio Moral
O assédio moral, não é tão vulgar na prática clínica como o assédio sexual, embora seja de
divulgar o que é e quais os efeitos que causa. Este tipo de assédio é mais praticado em grandes
empresas, onde a competição é intensa e devastadora, realçando também o facto de existir entre marido e mulher. Entende-se por assédio moral um conjunto de palavras e acções de natureza
psicológica, que expõe o assediado a situações humilhantes, tendo o efeito de o excluir do seu
ambiente de trabalho ou doméstico, bem como do exercício das suas actividades.
Ao contrário do assédio sexual, o assédio moral não pressupõe uma relação de poder entre a
vítima e o agressor, este é praticado através de propagação de boatos em detrimento da vítima, do
isolamento, da desobediência não declarada até ao despedimento da vítima.
Os efeitos causados pelo assédio moral são realmente devastadores para a integridade mental
da vítima, associados ao assédio estão patologias tais como, a perturbação da ansiedade,
perturbações do sono quer insónias quer hipersónias, perda da concentração, distúrbio do stress
pós-traumático, depressão, ataques de pânico e burnout. Levado aos extremos o assédio moral
pode levar ao suicídio.
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3 - O ASSÉDIO SEXUAL NA PRÁTICA CLÍNICA
Ao falar de prática clínica e de assédio, vamos entrar num campo muito melindroso e um
tanto ou quanto sombrio. Nada mais propício ao assédio, do que uma sala onde estão presentes
duas pessoas quer sejam de sexo diferente quer sejam do mesmo sexo, em que um está carente e
vulnerável, outro está disponível para ajudar.
Este quadro não ilustra, que o assédio parta do técnico, até pelo contrário, maioria das vezes o
assédio parte do cliente, pelo facto de estar carente, angustiado e cheio problemas e encontrar ali
diante de si alguém que o está a ouvir, a compreender e a querer ajudar a ultrapassar as suas
angústias e problemas. Esta atracção física ou até mesmo paixão por parte do cliente para com o
técnico, na psicanálise, é parte fundamental do processo de transferência.
Mas é de referir casos que o assédio parte do técnico. Está disponível um filme onde ilustra
bem este caso, o filme intitula-se “Nos limites do silêncio” e desenrola-se em torno de um drama
de um indivíduo, que é psicólogo, cujo o filho se suicidou. No decorrer da história, ele vem a
descobrir que o filho tinha sido molestado por um amigo também psicólogo. Como o rapaz era
um jovem um pouco problemático, o pai resolveu pedir a esse amigo, que acompanhasse o filho
em algumas sessões de psicoterapia. De facto o jovem acabou por se suicidar e o pai sempre se
culpou pela sua morte, aquando descobriu que o rapaz se tinha suicidado por não ter conseguido
encarar a situação de ter sido molestado pelo psicólogo. Este por sua vez, com a vergonha do pai
do rapaz ter descoberto e por ser seu amigo, acabou também por se suicidar.
Moral da história, o psicólogo não seguiu nem de perto qualquer norma deontológica, pois
aceitou o filho do amigo como cliente e praticou o assédio sexual. Claro que isto é filme mas de
facto o assédio na relação clínica existe.
Voltando ao caso de ser o cliente quem tenta praticar o assédio, isso por vezes surge por uma
má interpretação do cliente ou de um modo mais depravado, por intenção do mesmo. A relação
técnico/cliente é necessária que seja horizontal sem que haja quaisquer intencionalidades de cariz
sexual, manipulativo ou de poder, pois o técnico está disponível para ajudar e o cliente para ser
ajudado. Mas por vezes esta relação torna-se tão próxima e tão pura que confunde-se com uma
relação mais íntima, assim cabe ao técnico deixar bem delimitado quais as funções de cada um naquela relação.
Ao contrário do que se pensa, quando este assédio parte do cliente, é o próprio técnico que
tem que resolver este problema, pois deverá expor a situação, conversar com o cliente sobre isso
e se mesmo assim o cliente persistir e o técnico não souber resolver esta situação, deverá
informar-se junto de outros colegas e na eventualidade reencaminhar esse cliente para outro
técnico, de preferência do sexo oposto ao que o cliente deseja.


4 - O profile do Assediador Sexual E MODO DE ACTUAÇÃO
É óbvio que qualquer assediador/agressor segue uma linha de actuação, até porque tem receio
de ser descoberto e punido, então cria as suas próprias estratégias de assédio sexual.
Em termos psicológicos, é de acreditar que o assediador é alguém que não sabe lidar com a
frustração, é tendencialmente tímido quando em grupo, não revela grande à vontade junto dos
elementos do sexo que ele deseja, é capaz de rejeitar todos os elogios provenientes desses
mesmos elementos e quando sujeito a algum comentário, em que ele se sente ameaçado, é capaz
de despertar nele um enorme desejo de vingança.
O seu melhor “palco” de actuação, é na verdade a sós com a potencial vítima e quando tem
algum poder sobre a mesma, este poder pode ser a nível hierárquico, ou simplesmente porque é
possuidor de ferramentas que o podem ajudar à chantagem. O facto de ter poder sobre outrém,
para ele é deveras fascinante e perverso, o que o estimula e muito à prática do assédio sexual.
Com base no artigo, Atracção interpessoal, sexualidade e relações intímas de Valentim
Rodrigues Alferesii (2002), a construção social da sexualidade do assediador assenta no script sexual do utilitário/predador, ou seja, o script sexual é o guião que organiza o comportamento
sexual, define as situações de interacção, gera expectativas relacionais e sinaliza as respostas
«incongruentes», existindo vários scripts sexuais nomeadamente o script sexual do
utilitário/predador. Neste tipo de script, o assediador detém todo o poder de actuação, busca
insistentemente uma presa vulnerável e fraca, para pôr o seu plano em acção.
No âmbito da psicologia social, o modo de actuação do assediador é muito estratégico, começando querer estabelecer uma relação mais de intimidade com a vítima, utilizando a
estratégia da auto-revelação, isto é, o assediador começa por contar os seus problemas, muitas
das vezes de cariz familiar ou profissional, em tom de vítima, de injustiçado, por sua vez a
potencial vítima revela também acontecimentos da sua esfera privada, estabelecendo assim uma
maior intimidade entre ambos.
As revelações que o assediador faz, grande parte delas são falsas revelações, parte do seu foro
imaginário para conseguir a “pena” da vítima, quando ele obtém da potencial vítima essa atenção
e da sua auto-revelação, instrumentos que lhe possam ser úteis para começar o assédio, ele
utiliza-os, ou seja, esta estratégia de auto-revelação aumenta o conhecimento recíproco de ambos
e diminui a ambiguidade, promovendo a confiança entre ambos. Mas é com esta auto-revelação e
confiança que o assediador caça a sua “presa”, pois passa a utilizar a informação obtida pela
auto-revelação da vítima, para que ela se sinta pressionada e lhe dê o que ele quer. Assim o
assediador assume todo o poder e controlo dessa relação.
De facto, a relação clínica é um cenário muito favorável ao assédio, pois duas pessoas em contacto uma com a outra, numa sala, em que uma se está a auto-revelar, o assédio torna-se
muito comum. Claro que, quando o assédio parte do cliente, não porque o técnico esteja a autorevelar-
se, mas porque o cliente julga que, por ter ali alguém a ouvir as suas angústias e a estar
disponível para ajudar, pode assediar o técnico à vontade, é inevitável, cabe apenas ao técnico
controlar essa situação. Quando o assédio parte do técnico, aí o caso é mais grave, desrespeita
qualquer princípio deontológico da sua profissão bem como desrespeita o próprio cliente como pessoa.
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Há quem defenda que apesar de não se praticar o assédio sexual, e se ambos se quiserem
envolver sexual um com o outro, não o deverão fazer, até porque embora não seja punível por lei,
o técnico por seu lado continua a violar os princípios éticos da sua profissão.

5 - DE QUE LADO ESTÁ O PODER
Como já foi referido, o conceito de poder aparece maioria das vezes ligado ao assédio,
principalmente ao assédio sexual. O assediador é o que detém sempre o poder, até que a vítima o
denuncie.
Embora seja defendido que na prática clínica, a comunicação seja horizontal e que ninguém
exerce poder sobre ninguém, não é possível deixar de fundamentar que existe sempre um que
detém o poder, até porque o cliente está mais sensível que o técnico, e é o cliente que procura o
técnico.
A noção de poder passa por três termos correlacionado, os quais serão aplicados à prática
clínica. Um primeiro termo é a influência, após estabelecida a aliança terapêutica muitos são os
clientes que se tornam influenciados pelo técnico, causando muitas vezes uma relação de
dependência, note-se que esta influência não é causada directamente pelo técnico, o cliente é que
derivado à sua incongruência cria esta relação de dependência. O segundo termo é a dominância,
até que pouco é que o técnico influencia o cliente ou que o cliente se deixa influenciar, em certas
psicoterapias o cliente tem que fazer o que o técnico julga necessário para as suas melhoras. O
terceiro e último termo é o poder propriamente dito, até que ponto o técnico exerce alguma
influência para mudar o comportamento do cliente, com a intenção de obter a mudança terapêutica no cliente.
É ponderado que existe poder na relação terapêutica, e que quem detém esse poder é o
próprio técnico, só que cabe-lhe a si utilizá-lo em favor da ajuda que quer prestar ao cliente e
acima de tudo evitar o assédio sexual, que poderá advir desse poder.


6 - CÓDIGO DEONTOLÓGICO DO PSICÓLOGO
Tendo em conta o Meta-Código de Éticaiii, o ponto 3.4.4. refere o Conflito de Interesses e
Exploração:
I) Consciência dos possíveis problemas que podem resultar de relações duplas e
obrigação de evitar esta situação, a qual reduz a distância profissional necessária ou pode levar a conflito de interesses, ou a uma exploração do cliente;
II) Obrigação de não explorar a relação profissional para promover interesses pessoais
religiosos, políticos ou outros interesses ideológicos;
III) Consciência de que o conflito de interesses e a desigualdade de poder numa relação
pode manter-se depois da relação profissional ter terminado formalmente e que as
responsabilidade profissionais devem continuar a aplicar-se.
Mediante este ponto do Meta-Código de Ética, pode incluir-se aqui o assédio sexual, pois a
prática deste por iniciativa do técnico viola qualquer um destas alíneas.
Com base nos Princípios Éticos em Psicologiaiv, os psicólogos:
  • Não participam em actividades cujo objectivo seja, através de métodos coercivos, forçar alguém a revelar informação, a confessar ou a modificar a sua convicção filosófica, política, religiosa ou ética.
  • Mantêm-se conscientes das suas necessidades, atitudes, opiniões e do seu papel nas relações, não fazendo mau uso do seu poder e posição para se aproveitarem da
  • dependência e confiança do utente.
  • Não praticam assédio sexual.
  • Não se envolvem em intimidades sexuais com clientes.
  • Também estes princípios especificam que o técnico em psicologia, na sua prática profissional
  • não deve exercer qualquer acto ilícito que comprometa o bem-estar do cliente, nomeadamente o assédio moral e o assédio sexual.

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